terça-feira, 11 de novembro de 2014

Fui à praça

Tanto tempo sem escrever aqui. Deixei de lado este projeto, mas não o Projeto Duberoux. As coisas continuam acontecendo, só não as escrevo. Porem, hoje, tive vontade de retomar a ideia.

Estou preparando um número para apresentar dia 14/11/14, meu aniversário. Intitulei "Fora de Alcance". Hoje a tarde resolvi testar alguns números. Chamei dois amigos e fomos para a praça do Arsenal. Segunda a tarde... Quase ninguém. Comecei a rotina na praça vazia. Mas é inevitável, a magia chama. Algumas pessoas apareceram, olhavam de longe. E joguei com elas. Obviamente, na minha apresentação há uma linha dramatúrgica. Quero dizer, tem coisas marcadas. Sei que uma hora vou pegar um instrumento e numa outra hora vou fazer uma mágica. Mas, a magia me parece estar nos entremeios. Nestas rupturas, não só da logica, mas também do próprio roteiro. Aquela pessoa lá de longe, que eu precisava de um binóculos para enxerga-la. Ela precisava saber que eu também estava a vendo. Algumas outras sentaram do lado dos meus amigos para assistir. Foi um tipo de ensaio aberto.

Passei mais algumas vezes, repeti alguns números. Foi ai que deu aquela vontade de ir pra praça movimentada, testar. Será que está engraçado? Será que diz algo? Será que dá mesmo pra se comunicar? Fui pro Marco Zero, a Praça Rio Branco.

Não tenho convocatória. Nem sei direito o que é isso. Mas vejo que a maioria dos artistas de rua tem. Parece-me ser um momento de dizer "Gente, vou apresentar um espetáculo". É nisso que as pessoas se interessam e formam uma roda. Cheguei no marco zero, com figurino, mas sem nariz. Fiquei lá parado... Morrendo de medo e sem saber como mostrar o que eu estava treinando. Nada acontecia... Umas pessoas olhavam, a roupa é diferente, meio engraçada mesmo. Mas nada de mais. Então, essa era uma boa hora pra entrar num estado de alerta, um estado de mais liberdade e libertinagem. Um estado que quebra um pouco com meu cotidiano e me facilita algumas coisas. Subi o nariz.

Bem. Fiquei lá, com cara de pastel e uma maleta na mão, no meio da praça. Pessoas passavam, riam e iam embora. "Eita, é o home da mala" gritou um funcionário. Inevitavelmente olhares iam me conduzindo. Tinha gente espalhada pra todo lado, principalmente nos bacos que dão para o rio. "Onde vou me apresentar? Não sei convocar as pessoas!!!" Isso não saia da minha cabeça. Mas não demorou muito, e um cara gritou "Ei palhaço, vem cá!" Eu não tinha convocação, mas o público tinha.

Saí correndo com cara de "ACHEI PÚBLICO!!!!". Parei na frente deles, alguns nem perceberam. "Ei pow, cala boca. Olha o palhaço". Agradeci, majestosamente ao garoto que chamou a atenção dos amigos em volta. E comecei. (Comecei? Ou já tinha começado bem antes?)

A rotina traçada foi se desenvolvendo, as quebras, os contatos. Era um grupo de umas quinze pessoas, mas assim que comecei, os olhares se encontravam e se multiplicavam. Pessoas lá longe, acompanhando, trocando comigo. Bem, foi bom. Eles riram, poxa, eles riram.

E eu ainda estou aqui, sorrindo.

Sexta apresento o número todo, nesta mesma praça.


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Marco zero com músicos.

Hoje eu, Getúlio Sobral, Jonas Araújo e Lucas Gomes resolvemos levar nossa arte pra rua. Eu sempre com esta vontade de ir à rua porem, particularmente essa semana estava atiçado pelas intervenções artísticas diárias do Grupo Magiluth de Teatro. Mas todos dividindo sentimentos iguais; O de continuar confraternizando nossa arte entre nós mesmo, como sempre fizemos; compartilhar nossa arte com a cidade; Sentir como é a relação da cidade com arte de rua; pesquisar nossa arte na rua.

Foi lindo. Primeiro, nos divertimos muito e esse era o fator de maior importância no projeto. O simples prazer do ato. Mas alcançamos outras coisas também. Interações mágicas, engraçadas e bonitas. Música e palhaçaria. Foi uma experiência maravilhosa que vamos repetir com frequência e, quem sabe, repetir fora do nosso pais, mas isso são planos ainda oníricos.


É uma experiência muito interessante. Apenas com um dia já identificamos erros cometidos por nós. Coisas que não funcionam bem na rua, ou ao menos onde estávamos. Dificuldades que só se percebem com a pratica e na pratica são sanadas. Mas não percebemos só erros. Percebemos que podemos melhorar o desempenho cênicos adaptando a organização do grupo, figurino e diversas outras coisas.

Mas já no primeiro dia, sentimos um pouco como é ser artista de rua. A salvação do dia para uns e ser absolutamente invisível para outros. Entre esses dois extremos, um leque enorme de fenômenos e relações. Mas a rua é plural e tudo pode ser construtivo, dependendo de como nós assimilamos tudo. A rua, e a vida como um todo, pede sempre que nos ajustamos criativamente. 


segunda-feira, 25 de março de 2013

Experimento #1 – Na janela, um clown. (Parte 1)


                Há muito tempo queria expressar-me artisticamente na rua. Faz um ano que o grupo de teatro que eu participo foi fundado, o Teatro Persona. Isso só faz minha vontade aumentar. Mas não sabia o que levar pra rua. Sei tocar um pouco alguns instrumentos, mas é muito pouco, não tenho repertorio. Também não tenho nenhum esquete ou numero pro meu clown, não tenho nenhuma peça de teatro pra apresentar, nada. Ir pra rua me era uma vontade enorme, mas não sabia como fazer ou o que fazer lá. Até que comecei a pensar mais sobre o assunto.

                Um dia vi Paulo Michelotto falando sobre umas ideias que ele tinha para serem executadas na praça. Era algo assim; Uma pessoa que chegava cheia de bugigangas ajeitava tudo no meio da praça e depois guardava e ia embora. Apenas isso. Confesso que na época que eu escutei fiquei pensando “Mas o que isso significa? Qual o sentido disso?”.  Continuei refletindo sobre isso.

                Esse ano é o ano do meu estagio curricular em Gestalt-terapia e meu Trabalho de Conclusão de Curso provavelmente será sobre O Dialogo e o Dialógico do Clown. Foi quando as reflexões sobre existencialismo, fenomenologia e Gestalt começaram a se fundir profundamente com meus conhecimentos e reflexões sobre o clown. Um dia, conversávamos na supervisão e estávamos combinando de fazer ataques de arte na minha faculdade, a FAFIRE. A pretensão não era nenhum espetáculo mirabolante, nem nada do gênero. Mas pequenas intervenções, onde se quebrasse com o dia-a-dia. A simples quebra do habitual. Foi quando muita coisa começou a se fundir. A simples quebra do cotidiano.

                Finalmente vamos ao primeiro experimento – Na janela, um clown.

No dia 19 de março de 2013, o dia que eu criei o blog, eu vim refletindo no ônibus. Estava certo de que iria inventar e pensar algo para fazer na rua. Pensava nisso com a cabeça encostada no parapeito da janela. Enquanto eu pensava, olhava as pessoas em seu cotidiano. Foi quando eu percebi que vez ou outra eu cruzava com olhares. Comecei a perceber pequenas quebras em certa linearidade. Notei que quanto mais energia eu colocava naquele olhar, mas quebras na constância iam ocorrendo. Eu, de cara limpa, comecei a me conectar com as pessoas em frações de segundos. Cheguei a me comunicar com algumas crianças na rua, que chegaram a falar comigo. 

Não foi uma situação singela. Era um grupo de quatro garotos que largavam do colégio, tinham uns 12 anos em média. E um deles tinha uma pedra na mão e pretendia jogar no ônibus. Foi quando o olhar dele encontrou o meu. Não reprovei, não franzi a testa. Simplesmente o olhei com verdade, energia e aceitação. De tal modo que nem o julguei. Simplesmente pensei “Espero que se ele jogar, não machuque ninguém”. O choque desse olhar deve ter causado algo nele. Algum incomodo profundo. Foi tanto que ele soltou a pedra e começou a me xingar. Mas senti que era mais raiva dele mesmo que de mim. Continuei olhando calmamente. Ele jogou um coração-de-nego na lataria do ônibus, no lugar da pedra que segurava antes. Daí em diante eles começaram a se xingar e dizer “Olha, o homem tá olhando!!!” cada um que culpava o outro. Mas meu olhar continuou o mesmo e a quebra foi tão grande, que eles se desconcertaram e começaram a brincar, a rir e a olhar pra mim com um misto de vergonha e curiosidade.

A quebra da constância. A quebra do cotidiano, do esperado. Meu exercício tinha começado antes mesmo de eu subir o nariz. Continuei vendo velhos em seus carros magníficos, crianças a dar xau. Tudo isso, proporcionado apenas por um olhar verdadeiro e sem julgamentos. Como seria quando eu subisse o nariz?

As pessoas são sedentas e curiosas por pessoas que as olham de verdade. Sem olhar de medo, de julgamento, de curiosidade. Um simples olhar verdadeiro.


segunda-feira, 18 de março de 2013

O primeiro começo.


   "É nisso que reside o efeito do palhaço: quando todos no mundo almejam vencer, ele explora perder; quando no circo todos voam, ele cai; quando as feras são domadas, ele é indomável; enfim, quando o poder é gigantesco, ele vence pela fraqueza... Em suma, embora ocupe o lugar do perdedor, ele possui um trunfo: sim, o palhaço perde, mas ele sempre recomeça! Aí está sua capacidade de criação / re-creação, sua potência surge desse momento, desse encontro com sua fragilidade. Nesse instante, ele captura o outro por sua humanidade, não por sua capacidade de superação. Essas são figuras recorrentes entre todos os grandes palhaços: por isso sempre se vê a imagem de Carlito indo embora sozinho."

[...]

Em poucas palavras, o palhaço tem a função de revelar aquilo que queremos esconder.
Alexandra C. Tsallis



São com essas palavras que inicio meu diário de bordo. A bordo da vida, começo a escrever e compartilhar com vocês minhas experiências clownescas. Desde muito tempo venho descobrindo, investigando e inventando o que é ser palhaço. Mas foi em novembro de 2012 que as coisas tomaram prumos mais firmes. Quando iniciei oficialmente o processo mágico de clownificação. Dom Gentileza me mostrou um mundo. Um mundo que já existia em mim. Em mim e no outro. Um mundo esquecido, negado e escanteado. Mas um mundo vivo, espontâneo e rico. Um mundo interno e infinito. Mas o Projeto Duberoux é para explorar também outro mundo. Olhar com outra lente um mundo que não podemos ignorar tão facilmente, mas que mesmo assim conseguimos, com muito esforço, maquiar e negar. Este mundo é a rua.

O Projeto Duberoux vem mais do que com um simples desejo de curiosidade, vem com uma necessidade existencial. Uma necessidade existencial de conhecer este mundo, estes mundos. Além de uma mobilização politica e artística de retomada da rua, que me incentiva bastante, me vem também a mobilização da alma, que me impele a conhecer, vivenciar, experimentar e experienciar novos mundos nas praças, nas ruas, nos pares de olhos.

A ideia é dividir com vocês meus experimentos urbanos, exercícios de re-conhecimento. Descreve-los, documenta-los e refletir sobre eles. Sempre que eu tiver uma ideia de exercício/experimento e pô-la em prática, virei aqui dividir com vocês. Além de um espaço de compartilhamento de experiências, também desejo que este blog seja um local de reflexão, de companheirismo, de troca de ideias e, pretensiosamente, queria muito que este blog servisse de incentivo a todo artista que quer experimentar as ruas, mas tem suas dificuldades. Fiquem a vontade para comentar, refletir, opinar, criticar etc. Sintam-se bem vindos!


Desenho: Lucas Michelotto